Memórias e Delírios – III

Os eventos que vou narrar continuam sendo tratados pela maioria como tabu. Portanto!… Sugiro que não prossiga, caso sinta-se desconfortável com “tabus”.
Leia:
Memórias e Delírios – I
Memórias e Delírios – II
Continuando…
Congelei naquele momento. Petrificada via o desespero nos olhos de Julinho. Lembrei que estava sózinha. Meu avô levara vovó ao médico, como fazia quase toda semana e só retornaria no fim da tarde. Ainda sem conseguir me mexer, vi Julinho ser puxado e forçado a ficar ao meu lado, já chorando apavorado.
O medo tomou conta de mim. Na posição que estava (nua da cintura pra baixo), com a bundinha à mostra; nada poderia fazer se aquele homem quisesse me estuprar. Com o garoto soluçando ao lado, imaginei o que o aconteceria com ele. Será que também seria currado como eu? E comecei a ter pena do garotinho!
– Moleque filho da puta, vou te capar!!! Seu viadinho de merda…
– Suma daqui!!!… Anda desgraçado!!!
Aquela voz ecoou como um trovão e meu medo virou pavor. Julinho juntou sua roupa e tentava vestir, enquanto levava tapas e era arrastado pra fora do galpão. Vesti minha calcinha, saia e sandálias o mais rápido que pude e dei de cara com vovô, bloqueando a saída do galpão. E, assim como Julinho, desandei a chorar!
Parada diante de meu avô, sem saber o que fazer! Imaginei a surra que ia levar e fiquei soluçando de cabeça baixa, sem conseguir falar ou me mexer. Eu sentia que a qualquer momento começaria a apanhar. Fechei os olhos quando vovô agarrou com força o meu braço, e esperei pela cintada ou tapa. Mas, fui levada pra fora.
Vovô não disse uma palavra enquanto me arrastava pra casa. Depois de entrar, ele me mandou sentar no sofá e subiu pro andar superior. Os minutos que eu fiquei ali, ainda chorando e sem saber o que ele faria, pareceram não ter fim. Ouvi meu avô descendo a escada e parando diante de mim. Não conseguia olhar pra ele.
– Vou sair e volto logo. Não saia de dentro de casa. Depois a gente conversa, mocinha!
– Tome um banho e vista isso! Você me entendeu, Alice?
– Responde menina!!!
Seu tom de voz era ameaçador. Ao dizer isso, jogou ao meu lado algumas roupas. Só o que consegui fazer foi engolir meu choro e responder gaguejando: “Sim senhor, vovô.” Continuei imóvel, ouvindo o som da F1000 se afastando. Achei que minha avó iria me surrar (algo que ela fazia sempre); e que só diminuiu um pouco, porque ela adoeceu. Mas estranhamente, ela não apareceu.
Mesmo com a pequena diferença de idade, o contraste entre meus avós era marcante. Minha avó, sempre foi bem ausente e indiferente; exceto quando era para me castigar. Ela aparentava ter mais idade e tinha a saúde debilitada. Meu avô ao contrário, tinha uma saúde invejável. Era bem autoritário, mas também atencioso.
Minha cabeça, meu braço e meu peito doíam. Criei coragem e decidi me mexer. A casa estava em silêncio. Se vovô já tinha voltado, cadê minha avó? Fui à cozinha, tomei um copo d’água pra acalmar e procurei pela casa. Não encontrei ninguém, estava sózinha. Será que ele foi buscar a vovó? E porque tinha voltado antes?
Pensei em Julinho, como ele estaria? E quando vovô voltasse o que ia acontecer? Então, lembrei que ele disse que voltaria logo. Precisava ficar pronta antes que ele chegasse ou as coisas iriam piorar, se é que era possível. Bateu o desespero, quando vi um dos meus uniformes da escola no sofá. Pensei to fodida… Minha avó sempre quis me mandar pra um colégio interno…
No banho e enquanto me vestia, chorei sem parar. E agora; o que eu faço meu avô não me quer mais aqui, vou ser trancada em um internato! Aceitaria qualquer castigo, faria qualquer coisa se me deixasse ficar. Só de pensar em ficar presa num daqueles lugares, eu gelava. Decidi que iria implorar e terminei de me vestir.
O uniforme estava quase completo, faltando casaco e sapatinho. Saia xadrez de pregas, em tons de azul marinho, camisa branca e meias ¾, que chegavam quase até o joelho. A calcinha que estava com as roupas, era uma das que eu mais gostava. Branquinha, com detalhes em renda, era linda e me fazia sentir mais “adulta”.
Voltei à realidade quando ouvi a F1000 chegando. Certamente vovó já estava sabendo e pronta pra tirar meu coro. Em pé no meio da sala, esperei até eles entrarem. Meu avô entrou e colocou umas sacolas na mesa. Olhou pra mim atentamente, vendo que havia feito o que mandou. Pegou uma das sacolas e já saindo falou:
– O jantar está em uma das sacolas. Arrume tudo enquanto eu tomo um banho.
Eu estava muito confusa e ansiosa. E perguntei tudo ao mesmo tempo…
– Vovô, onde está minha avó? Você tá muito bravo comigo? Você me perdoa vovô?
– Sua avó vai ficar internada uns dias, não se preocupe, são só alguns exames.
– E vamos ver se dá pra acertar as coisas mais tarde. Agora faça o que eu disse!
Que alivio, então ainda existe um jeito de “acertar as coisas”…
CONTINUA…

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