Meu titio e eu – Capítulo 1

Essa é uma história de uma menina que foi morar com o seu tio. Será contada em capítulos, e este é o primeiro. Em breve, postarei os demais, se gostarem.

Me chamo Michele. Tenho 26 anos. Mas o que vou contar, teve início há mais de uma década.
Foi quando voltei para Recife, minha terra natal. Apesar de ter nascido aqui, mudei com minha mãe quando tinha apenas três anos para São Paulo. Minha avó faleceu. O irmão da minha mãe era o único que trabalhava. Mas sem ajuda da minha avó, não teria condições de nos sustentar.
Então minha mãe e eu viajamos para São Paulo em busca de uma vida melhor. Há alguns anos antes, uma amiga de minha mãe já havia feito esse percurso, também em busca de oportunidades. E ao saber que minha mãe procurava emprego, contou lhe de uma senhora viúva que precisava de alguém pra cuidar dela e de sua casa. Minha mãe ficou com medo a princípio, nunca havia saído de sua terra, ainda mais sozinha e com uma criança de três anos. Mas a oportunidade era boa, era apenas um salário mínimo, mas poderia morar na casa da senhora e poderia ficar comigo o dia inteiro.
E assim, vivi pelos próximos seis anos. Não tínhamos nenhum luxo, mas não me faltava nada. Aliás, faltava carinho, atenção, companhia.
Meu pai nunca existiu na minha vida.
Minha mãe se esforçava muito, mas cada ano a senhora ficava mais dependente. Os cuidados com a senhora e com a casa tomavam todo tempo e energia da minha mãe. Eu praticamente ficava sozinha, mesmo tendo mais duas pessoas no mesmo teto que eu o tempo todo. Por isso minhas grandes alegrias eram ir para escola e as férias de fim de ano, quando meu tio me chamava para passar as férias com ele.
Mas essas alegrias eram bem limitadas. Os amigos da escola, ficavam só na escola. Minha mãe tinha muito medo de São Paulo, então minha vida se resumia a casa e escola. Não podia brincar na rua, ir na casa dos meus amigos e nem eles ir na minha casa, já que eu não tinha uma casa. E crianças da terceira série não seriam o tipo de visitas que uma senhora queria receber em sua moradia.
Já as férias com meu tio eram maravilhosas. Eu era livre pra brincar. Não conhecia ninguém lá, e meu tio não tinha filhos, aliás, nunca havia se casado. Mas morava no litoral, e na praia era muito fácil conhecer outras crianças. E meu tio parecia gostar muito de crianças, pelo menos me tratava com muito carinho. Eu o amava, pelo menos por uns dias, tinha saciada todas as minhas carências: inexistência de uma pai, mãe ausente, liberdade… Era meu momento favorito. Pena que era só 20 dias por ano.
Assim era minha vida, até que um dia, a senhora morreu. E com ela, o emprego da minha mãe. Novamente veio o desespero da minha mãe: onde vou trabalhar, onde vou morar, como vou sustentar minha filha, continuo nessa cidade ou volto pra minha terra? Em meio a tantas dúvidas, aquela mesma amiga dela que havia aparecido com uma solução no passado, de novo oferece outra solução para minha mãe, mas dessa vez, nessa solução, eu não estava inclusa.
— Europa? Você está louca!
Sim, eram vários desafios: outro idioma, entrar num avião, uma terra muito longe e completamente desconhecida para ela e principalmente:
— o que?! Não posso levar a minha filha? Nunca ia deixá-la para trás!
Mas novamente, a solução da sua amiga era boa de mais, moraria na mesma casa que a amiga, trabalharia junto com a amiga, e pela primeira vez, teria um bom salário.
Mas não poderia me levar. Os novos patrões não permitiram levar uma criança para o serviço. E entrar ilegalmente no país era perigoso até para a mãe.
— Filha, eu sei que é triste e muito difícil. Nunca nos separamos antes. Mas se eu ficar lá só por três anos, dá pra eu voltar com um bom dinheiro para nós vivermos melhor. Sei que teremos muita saudade, mas te ligarei todos os dias, e te visitar uma vez por ano. E você gosta muito do seu tio e ele de você…
Quando ela disse isso, não ouvi mais nada que saia de sua boca, comecei a viajar em meus pensamentos. Até então tinha pensado só em nos separar, ela partindo… não tinha pensando em mim, onde ficaria e com quem. A resposta era óbvia, só tinha uma opção, mas não tinha me dado conta. Morar com meu tio seria incrível. Ele era carinhoso comigo, eu adorava ele, tinha a praia, lá eu não ficaria presa em um apartamento.
— Então filha, eu só vou se você concordar. Você lembra quando você ficava feliz de viajar pra casa do seu tio, e como ficava triste na hora de voltar? Agora você poderá morar lá. O que acha?
— Nãããããooo! Adoro meu tio, mas não quero morar sem você!
Contudo, minha mãe não tinha muitas opções, e acabou me convencendo.
Continua…